Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

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segunda-feira, 18 de julho de 2011

Delicias da minha juventude IV - O meu 69



De como fui pego no lugar errado e na hora errada!
Com o cerceamento das liberdades individuais culminando com a promulgação do AI5  em novembro de 68, o governo militar tomou paralelamente outras medidas que não são do conhecimento geral e onde eu fui pego numa situação esdruxula e sem saída.
Para fazer face a nova filosofia do governo, eles necessitavam de um exercito diferente.
O exercito brasileiro era composto à época do que eles chamavam de bucha de canhão.
Eram em sua maioria, rapazes de classe baixa (por favor não me obriguem a chama-los de “indivíduos da classe menos favorecida”), com ensino básico ou as vezes nem isso, com o trabalho de fazer o exercito funcionar dando manutenção a equipamentos ultrapassados, e serviços braçais. Precisavam mudar esse perfil.
Eles agora precisavam de um exercito que atuasse também na repressão à contra revolução que se a avantajava. A turma contra era formada em sua maioria de indivíduos classe media, com um nível mais elevado de estudo, dirigentes de classe, ex militares, lideranças em diversos segmentos da sociedade, como iriam enfrenta-los  com aquele nivel de tropa?
Planejaram então elevar o nível intelectual dos integrantes das forças armadas.
Para isso, traçaram um perfil do novo individuo a ser recrutado. Nessa me dei mal!
O contingente do CPOR (Curso de Preparação de Oficiais da Reserva) onde se apresentavam os jovens em idade de recrutamento que tivessem concluído o 2º grau, era muito reduzido. A maioria era dispensada como excesso de contingente.
Neste ano especifico, inclusive os excedentes foram redirecionados ao recrutamento da tropa de infantaria regular. Acredito que o mesmo tenha ocorrido em todo o exercito, marinha e aeronáutica. Aqui em Belo Horizonte pelo menos foi assim.
No dia do recrutamento, nos colocaram, cerca de 50 jovens de cada vez, em uma grande sala, todos nus, e em frente algumas mesas com oficiais médicos.
Estávamos todos enfileirados em formação, cada um olhando a bunda do da frente, e éramos chamados pelo nome para então nos dirigirmos a mesa designada para o exame medico.
O constrangimento era geral e via-se isso na face e nas atitudes da garotada, em pé, nua em pelo e obrigada ainda a desfilar perante todos.
De repente, escuto meu nome e ao me dirigir à mesa, vejo um oficial que estava em pé junto a outros, ao lado da mesa, falar diretamente ao medico:
- Aí, ó! Esse é o tipo que queremos, olha só!
Eu no alto dos meus 1:85m, branco, saudavel, pré-vestibulando, classe media, tive um baque!
Eu era o protótipo do cara que eles queriam!  Me ferrei!!!
Depois de eu me agachar, dar uns pulinhos, levantar o saco, abrir os dedos do pe, diante de toda aquela gente pelada,  me designaram para uma de duas instituições e eu poderia escolher a qual delas me apresentar: O BGP (Batalhão da Guarda Presidencial) em Brasília ou na Tropa de Paraquedistas no Rio de Janeiro, o PARA-SAR ( alvo de escandalos na época)
Minha luta então passou a ser, não para ser dispensado, mas para ficar aqui mesmo em Beagá.  Eu, que tinha ojeriza de milico, tinha sido pego de calça na mão! Literalmente!
Já pensou eu na porta do Palácio da Alvorada com aquele penacho na cabeça, o tempo todo em posição de sentido, sem poder se mexer? Eu hiperativo do jeito que era?
E pular de avião? Eu tinha medo de entrar no bicho, quanto mais pular dele!
Tive que mexer os meus pauzinhos e consegui ficar aqui. 
Eu que tinha começado a abrir minha cabeça politicamente, principalmente durante todo ano de 68, me vi convocado compulsoriamente a fazer parte do braço militar do governo. 
Eu só sentia angustia, raiva, impotencia  e um profundo desespero
Fui então designado para o 12º Regimento de Infantaria do Exercito e lotado na 5º Companhia. Me apresentei em janeiro de 69, de cabeça raspada num corte militar, maquina zero, corte esse que se repetiria semanalmente por mais 56 vezes durante o meu tempo de serviço militar. Quem me olhava só via orelha! Numa época em que todos os meus amigos cultivavam uma basta cabeleira, lá estava eu de cabeça de Reco!!!!
No primeiro dia, de cada companhia do Regimento, dez foram selecionados pela altura e estrutura corporal para formar a primeira turma de PE  (Policia do Exercito) do 12º RI.
Adivinha onde me mandaram?  Fui ser PE!   Quase morri!!!
Alem de servir na infantaria regular, ainda serviria na PE conforme a necessidade do serviço!
Em um primeiro momento não pensava em mais nada, nem nas implicações de ser um milico. Eu só queria sair!  Mas isso era impossível!  E agora eu era um PE?  Um gorilão?
Minha angustia apenas começava, mal sabia eu o que me reservavam.
Um belo dia, durante a formatura pela manha (toda manha, a tropa era formada no pátio do Regimento e o Coronel Comandante passava a Ordem do Dia) perante mil e quinhentos homens perfilados o Coronel se dirige a tropa e diz:
- Temos a honra de ter em nosso Regimento o soldado que obteve a maior qualificação no teste de QI em todo o Exercito Brasileiro! É o soldado Costa, da 5º Companhia.
Daí veio a ordem:
- Soldado, deixe a formação e se perfile diante do comandante.
Eu, o soldado Costa, um bosta, embasbacado, me retirei da formação e meio desengonçado (era ainda na primeira semana de treinamento) me perfilei na frente do Comandante, que empostando a voz anunciou orgulhosamente em alto e bom som, com aquela característica delicadeza das vozes de comando:
- Soldado, o Regimento lhe dá os parabéns! Como prêmio, pelo seu mérito, o senhor será encaminhado para a AMAN (Academia Militar de Agulhas Negras) para se tornar um oficial do glorioso Exercito Brasileiro!
De supetão (sempre me primei pelo raciocínio rápido) eu em posição de sentido, retruquei também em alto e bom som (como eles insistiam que déssemos as respostas quando interpelados):
- Posso recusar, Senhor?
O sorriso congelou na cara do Comandante!
- Pode...
- Então eu não vou!!!!
Vocês imaginam a cara do milico mor quando eu dei essa resposta?
Imediatamente ele mandou que eu retomasse o meu lugar na formação e deu por encerrada a cerimônia da Ordem do Dia.  Fez-se um silencio sepulcral!  Todos atonitos!
Eu tinha dezoito anos, um menino. Até hoje não sei de onde tirei essa petulância e coragem de, perante a tropa inteira formada, com todos os oficiais presentes, em uma cerimonia militar, eu dar aquela resposta atrevida.
Mas eu não queria nem ser recrutado, como eu iria querer ser um oficial de carreira?
Pela primeira vez, o Exercito resolveu fazer um teste de QI em todos os soldados e eu fui o QI mais alto do Exercito Brasileiro em 1969.  Grande coisa!!!  E daí?!?
E daí?  Daí, eu conto pra vocês outra hora........

Para quem não viveu aquela época e quer entender melhor  o contexto
aqui tem um resumão.



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