Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Mais "causos"de meu pai.

Meu pai voltou da cirurgia bastante agitado, promovendo o maior rebu no CTI. Fomos chamados, na área de espera, para enviar alguém que lhe fizesse companhia e conseqüentemente o acalmasse. Uma de minhas irmãs foi escalada de acompanhante aquele resto de noite. Fui substituí-la pela manha.
 – E ai como foi a noite? Ela abre o amplo sorriso e diz: - Foi ótimo, tivemos função a noite inteira! O velho passou a noite inteirinha em delírios e tendo as mais variadas visões, disse ela. E tome causos.
Noite alta, minha irmã esta sentada ao lado da cama no interior do box no CTI. A sua frente do outro lado do corredor senta-se um enfermeiro alto, corpulento, em posição bem frontal. Meu pai a certo momento fica agitado e começa a sacudir a grade da cama. Minha irmã pergunta: - que foi, pai? – Me ajuda a abrir esta porta minha fia. – Que porta, pai? Você esta no hospital, não se lembra? – Me ajuda a abrir, fia! Eu quero descer deste automóvel! – Que isso pai? Que automóvel? – Esse aqui. Vamos logo. Aquele homi ali quer a minha vaga.!
Já pensando que ele ta falando em vaga do leito, e em paciente esperando pra deitar na cama, minha irmã se pôs a rir. – O que isso pai, aquele é o enfermeiro. - Infermero que nada, ele qué é minha vaga. Aqui mal cabe um carro e ele quer por o dele aqui, vamo embora rápido pra num criar caso!
Após um bom tempo ele se acalma e dorme novamente.
Daí a pouco, xixi! Aquela dificuldade, molha tudo!
Minha irmã solicita um fraldão para o resto da noite.
Meu pai diz: - Fralda em mim, não! Esse trem fica frouxo e eu mijo na cama toda!
Depois de muito convencimento ela consegue que ele use, se ela colocar o tal do fraldão. Drama! Como ela vai por o trem, sem botar os documentos dele a mostra?
Ela, criativa, divide um dos troços em três e cria um tapa sexo: – Pai, vou virar pra lá, você tira as calças e poe isso aqui por cima e segura, depois você me chama.
- Pó virá, já tou pronto. E lá vai ela colocar a coisa.
Fraldão colocado ele admira e elogia: - Ninguém sabe botar esse trem como você. Agora vou poder mijar sossegado a noite inteira!
Meu pai é o único sobrevivente dos filhos do primeiro casamento de meu avô.
Dentre eles, tinha o Dr Jose Rocha, médico, apelido familiar de Neném, pouco mais velho que meu pai, e foi quem propiciou a vinda dele, do interior, para Beagá.  Morto a mais de 20 anos.
Madrugada alta, quase alvorecendo, meu pai fica novamente inquieto, querendo se levantar a qualquer custo. Minha irmã tenta acalmá-lo.
Ele rebela-se: - Você num faz nada que eu quero, eu quero descer e calçar meus sapatos. - Pra que, pai? Você não pode se levantar, tá recém operado.
- Pois eu vou, disse ele, o Neném chega daqui a pouco pra me visitar!
Minha Irma, que sempre tem uma na ponta da língua, logo diz: - Pai, se o tio Neném, o tio Fabio ou qualquer outro seu irmão vier te chamar, não vá! Fala que você não quer ir! O tio Neném já morreeeeeeu! Ele só vai aparecer aqui se ele quiser te levar pro além!
Alguém aqui acha que o véio falou mais em sapato?

Guimarães

"Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas pela astúcia que tem certas coisas passadas - de fazer balancê, de se remexerem dos lugares."

"Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas."

Falas de Riobaldo em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa

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