Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Blogagem Retrô - Tuareg

Continuando ainda a Blogagem Retrô resolvi recordar esta postagem que a mim diz muito.


Resolvi postar esta entrevista pela simplicidade das verdades aqui contidas.
Entrevista realizada por Victor M Amela e Moussa Ag Assarid em 20/10 /07

- Não sei a minha idade. Nasci no deserto do Saara sem documentos. Nasci em um acampamento de nômades Tuareg entre Timbuctu e Gao, ao norte de Mali. Fui pastor de camelos, cabras, cordeiros e vacas do meu pai. Hoje estudo Gestão na Universidade de Montpellier. Estou solteiro. Defendo os pastores Tuareg. Sou muçulmano, sem fanatismo.
- Que turbante, tão formoso.
- É uma fina tela de algodão: permite tapar o rosto no deserto, e continuar a ver e respirar através dele.
- É e um azul belíssimo!
- Nós os Tuaregs, somos chamados de homens azuis por isso; o tecido solta alguma tinta e nossa pele adquire tons azulados.
- Como conseguem este tom de anil?
- Com uma planta chamada índigo, mesclada com outros pigmentos naturais. Para os Tuaregs o azul é a cor do mundo.
- Por quê?
- É a cor dominante. É a cor do céu, do teto da nossa casa.
- Quem são os Tuaregs?
- Tuareg significa “abandonados“, por que somos um velho povo nômade do deserto, solitários e orgulhosos: “Senhores do deserto“, é como nos chamam. Nossa etnia é a amasigh (bereber), e o nosso alfabeto, o tifinagh.
- Quantos são?
- Uns três milhões, e a maioria permanece nômade. Mas a população diminuiu. “É preciso que um povo desapareça para que saibamos que ele existiu“: Apregoava um sábio. Eu luto para preservar este povo.
- A que se dedicam?
- Pastoreamos rebanhos de cabras, camelos, cordeiros, vacas e asnos num reino de imensidão e silêncio.
- O deserto é realmente tão silencioso?
- Quando se está sozinho naquele silêncio, ouve-se o batimento do próprio coração. Não há lugar melhor para se estar sozinho.
- Quais recordações de sua infância você conserva com mais nitidez?
- Desperto com a luz do sol e ali estão as cabras de meu pai. Elas nos dão leite e carne, nós as levamos onde há água e pasto… Assim fizeram meu bisavô, meu avô e meu pai e eu. Não havia outra coisa no mundo além disso.
E eu era muito feliz com isso.
- De fato! Não parece muito estimulante…
- Mas é muito! Aos 7 anos já te deixam afastar-se do acampamento para que aprendas coisas importantes: farejar o ar, escutar, apurar a vista, e as estrelas…
E a deixar-se levar pelo camelo, se você se perder. Ele e levará onde há água.
- Saber isso é valioso, sem dúvida…
- Ali tudo é simples e profundo. Existem muito poucas coisas. E cada uma tem um enorme valor!
- Então esse mundo e aquele são muito diferentes?
- Ali cada pequena coisa te proporciona felicidade. Cada toque é valorizado. Sentimos uma enorme alegria pelo simples fato de nos tocarmos e estarmos juntos. Ali ninguém sonha com chegar a ser, por que cada um já o é.
- O que mais o chocou em sua primeira viagem á Europa?
- Ver as pessoas correndo pelo aeroporto. No deserto só se corre quando vem uma tempestade de areia. Me assustei! É claro!
- Eles iam apenas buscar suas malas…
- Sim! Era isso. Também vi cartazes de mulheres nuas. Me perguntei: por que esta falta de respeito para com a mulher? Depois no Íbis Hotel, vi a primeira torneira da minha vida, vi a água correndo e senti vontade de chorar…
Que abundância! Que desperdício! Não?
Todos os dias da minha vida consistiam-se em procurar água. Quando vejo as fontes ornamentais aqui e acolá, continuo sentindo por dentro uma dor tão intensa…
- Tanto assim?
- Sim! No começo dos anos 90 houve uma grande seca. Morreram animais e nós também adoecemos. Eu tinha uns 12 anos e minha mãe morreu. Ela era tudo para mim! Me contava histórias e ensinou-me a conta-las muito bem.
Ela me ensinou a ser eu mesmo.
- O que sucedeu com a sua família?
- Convenci meu pai que me deixasse ir á escola. Quase todo dia caminhava 15 km. Até que um dia o professor me arranjou um lugar para dormir e uma senhora me dava o que comer, quando eu passava em frente á sua casa.
Entendi que esta ajuda vinha da minha mãe.
- De onde surgiu este desejo de estudar?
- Uns dois anos antes havia passado pelo nosso acampamento o Rally Paris- Dakar, e uma jornalista havia deixado cair um livro da sua mochila. Eu o apanhei e o entreguei. Ela me deu o mesmo de presente. Era um exemplar do pequeno Príncipe e eu me prometi que um dia conseguiria lê-lo.
- E conseguiu?
- Foi assim que consegui uma bolsa de estudos na França.
- Um Tuareg na Universidade!
- Ah! O que mais sinto falta aqui é o leite de camela… E o calor da fogueira, e de andar com os pés descalços na areia quente. Lá nós olhamos as estrelas todas as noites e cada estrela é diferente das outras como cada cabra é diferente. Aqui á noite, você olha para a TV.
- Sim! E o que você acha pior aqui?
- Vocês tem tudo, mas não acham suficiente. Vocês se queixam. Na França passam a vida reclamando! Aprisionam-se pelo resto da vida á uma dívida bancária, num desejo de possuir tudo rapidamente… No deserto não há congestionamentos e você sabe por quê? Por que lá ninguém quer ultrapassar ninguém!
- Conte-me um momento de extrema felicidade no seu deserto distante.
- Todo dia, duas horas antes do pôr-do-sol: a temperatura abaixa, mas ainda não chegou o frio, e os homens e os animais, lentamente voltam para o acampamento e seus perfis são recortados em um céu cor-de-rosa, azul, vermelho, amarelo, verde…
- Fascinante, na verdade…
- É um momento mágico. Entramos todos na cabana e colocamos o chá para ferver. Sentamo-nos em silêncio a ouvir a ebulição… A calma invade todos nós e o nosso coração bate no ritmo da fervura…
- Que paz!
- Aqui vocês têm relógio, lá nós temos tempo.


Postado originalmente em 28/07/10

 

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