Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Papo de buteco 21- Bon vivant

Dentre os meus fregueses habituais tem um senhor já idoso, beirando os oitenta anos, bem lucido, que vem invariavelmente às quarta feiras, por volta de dez da manha, se acomoda em uma mesa da calçada, à sombra e pede um chopp bem gelado.
De cara pergunta pelo Caio Cesar, ajudante de garçom. 
É um rapaz esperto, bem educado, começou a trabalhar para mim, ainda menino, embora fosse hoje, um pouco mais que adolescente.
O Caio se aproxima, ele abre a carteira de dinheiro, retira varias notas de cem e entrega ao rapaz junto a uma lista de compras. É a lista de mercado da casa dele. Frutas, legumes, laticínios, embutidos.
Incumbência recebida, lá vai o Caio Cesar lépido rumo ao Mercado Central.  
O senhor continua a saborear calmamente seu chopp, sempre renovado pelo garçom, solicito. Os garçons, sempre que passam o cumprimentam e ele quer saber noticias de todos. Da mulher, dos meninos, pergunta sobre o filho que estava doente, a mulher desempregada, procura se inteirar de tudo.
Chama cada um pelo nome, sabe onde moram, pra que time torcem. É muito agradável, alegre e bonachão. 
Esse acordo já ocorre a alguns anos, e não é só com as compras do mercado. Serviços de banco, pagamento de contas, tudo quem resolve é o Caio. Como se fosse um secretario particular.
No inicio ele me pedia o rapaz “emprestado” como um favor, depois foi virando habito e hoje o garoto já adianta seu serviço e fica á espera de que ele chegue. Ele considera essa saída como parte de suas obrigações.
E eu deixo, freguês antigo e assíduo, merece. Afinal eu vivo do boca a boca e são poucos os butecos que são considerados a extensão de sua casa.
Mais ou menos duas, duas horas e meia, após ter saído, la vem o Caio, descendo de um taxi, onde estavam acomodadas todas as compras.
O senhor pede a conta, se despede de todos, dá uma gorjeta generosa pro rapaz, toma o taxi e se dirige diretamente para sua residência.
Feira feita. Tudo da melhor qualidade. Todos conhecem este senhor, freguês de anos, das barracas do mercado. O rapaz a seu pedido, corre banca por banca em seu nome e o atendimento é no capricho, especial pra freguês antigo.
As frutas parecem de exportação, o queijo é de São Roque de Minas, na nascente do São Francisco, Serra da Canastra,  os doces de São Lourenço, onde o doce de leite talhado é de se comer ajoelhado, agradecendo aos céus o manjar. Só artigo fino. 
A mulher acha que ele foi pessoalmente ao Mercado.
Toda quarta ele chega, lá vai o Caio Cesar, ele continua bebendo seu chopinho e deixando a esposa feliz. 
Sabedoria de quem sabe administrar a vida. Ele criou seu alvará.
Quarta feira atrasada ele não veio, e na passada também.
Hoje, quarta feira, ao final da manhã, entra no buteco uma velha senhora elegante, corpo empinado, altivo, aquele ar de quem tem berço.
Perguntou por mim, me aproximei e ela se apresentou. Era a esposa do senhor das quartas, o que criara o alvará.
Me deu a noticia do falecimento dele, e veio me agradecer pela acolhida que lhe déramos todos estes anos, sempre as quartas para o chopinho.
Disse que ficava tranqüila, por informações que obtera, quanto ao atendimento e cuidado com que todos nós sempre tivéramos com ele, cuidando das suas compras, enquanto ele seguro, aguardava no buteco.
Ela tinha receio de que ele exercesse estas atividades, temendo a violência e o desrespeito aos idosos e ficara feliz quando soube do nosso arranjo, mas que nunca dissera nada, para não atrapalhar a travessura.
Com um meio sorriso no rosto, ela disse que isso o mantinha com a autoestima elevada, ele se sentia ativo e ainda capaz de umas estripulias.  Foi para o tumulo achando que a enganara. 
Como sempre, divido o pensamento com os meus botões: 
- Querem saber a formula de um casamento para a vida inteira?
Perguntem a ela.....

Imagem da net 

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