Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Karaoke no Buteco


Alguns fregueses vieram me pedir para instalar um aparelho de Karaoke no buteco. Temos um pequeno palco, a um canto, onde periodicamente se apresentam alguns cantores iniciantes, alguns veteranos e as vezes até aparece alguém famoso para dar uma canja.
Pessoalmente essa idéia não me agradava.
Essa é, possivelmente, a mais ridícula invenção dos japas, e olhem que estes têm muitas que concorrem neste requisito, como o “Tamagoshi” por exemplo.

- Porque você diz que não gosta disso? - me perguntaram.
Eu respondi:
- Porque o Karaoke permite que qualquer um, pelo menos durante alguns minutos, pense que é um astro da música internacional, como um Franck Sinatra, uma Vanessa da Mata ou um Emilio Santiago, mesmo que a sua voz não se distinga do que habitualmente se ouve numa matança de porco ou num bando de gansos.

Eu, curioso que sou e também não querendo desatender a freguesia só por preconceito, decidi empreender um minucioso estudo sobre tal espécie de gente. Me propus aventurar no seu habitat natural durante algumas noites, pois a insistência para colocar essa gerigonça no bar era constante.

Aqui ficam algumas observações tiradas nestas noites de martírio.
Quem são estas pessoas que frequentam as noites de Karaoke?
São, na sua maioria, “narcisos”, mas “narcisos” que se dividem em três grandes grupos: os “narcisos de bando” que vão cantar em grupo tentando parecer fazer piada; os “narcisos frustrados” que vão cantar sozinhos de olhos fechados; e, finalmente, os “narcisos inrustidos” que vão cantar porque alguém, “secretamente”, os inscreveu.

Bom, o primeiro grupo (os narcisos de bando que vão cantar em grupo ) é o mais representativo nestas noites de alegre paródia, e é, normalmente, composto exclusivamente por espécimes jovens do sexo masculino.
Na maioria das vezes, dentro destes grupos, existe um macho-alfa, cuja posição de chefia se assinala pela pressa com que se apossa do microfone.
Este, o macho-alfa, decide qual o tema que vão cantar e quando o vão cantar, os outros apenas o seguem.
Os temas mais escolhidos geralmente inserem-se naquilo a que a imprensa musical decidiu apelidar de “Música Sertaneja Universitária”, destacando-se as faixas musicais de Victor e Leo como as mais tocadas.
A atuação deste grupo de narcisos de bando é bastante simples, baseia-se na premissa de que todos têm de estar bêbedos, ou de se fazerem bêbedos, para depois balirem, zurrarem cada um para seu lado, fazendo expressões faciais semelhantes ao ritual de acasalamento dos gorilas africanos, merecendo inclusive um estudo profundo, uma analise, uma tese dos seguidores de Darwin. No final da performance, todos se abraçam ou se empurram e saem de cena exclamando palavras numa linguagem quase sempre rudimentar.

O segundo grupo (os narcisos frustrados que vão cantar sozinhos de olhos fechados) é composto, na sua maioria, por seres do sexo feminino ou por seres masculinos geralmente carecas ou quase.
Este grupo monopoliza, durante grande parte da noite, o controle do microfone, passando, muitas vezes, por cima do primeiro grupo de narcisos de bando, o que os torna um grupo animal extremamente perigoso de enfrentar.
O bando normalmente cria uma balbúrdia, mas depois , sendo ignorados, fazem igual aos gorilas, aquietam-se.
Normalmente, neste grupo, de narcisos frustrados, proliferam aqueles que, não conseguindo ter uma carreira na música, têm no Karaoke o ponto alto da sua vida.
Este grupo tem especial apreço por baladas românticas, sendo de Chico Buarque, Cazuza e Ana Carolina os temas mais vezes requisitados.
A sua atuação é bastante complexa.
Começam por se dirigir ao microfone de semblante carregado, mostrando as mágoas e os tormentos típicos de um artista do seu calibre, para em seguida, tentarem levantar vôo, abrindo bastante o braço que não segura o microfone e movimentando-o de cima para baixo repetidamente.
Neste momento os olhos fecham-se, guardando para si as emoções.
Durante a atuação assiste-se a variações múltiplas da voz de alguns deles, que vai desde a semelhança ao barulho que um porco faz ao ser castrado ao glissado de um adolescente mudando de voz
A expressão facial é, no momento mais alto, um misto de orgasmo com prisão de ventre, para, no final dar lugar a um espasmo muscular, muito semelhante a uma trombose.
Ao final, saem de cena com um sorriso envergonhado e espontâneo, milhares de vezes ensaiado frente ao espelho de casa.

O terceiro grupo (o dos narcisos inrustidos que vão cantar porque alguém, “secretamente”, os inscreveu) é o menos representativo nestas noites, mas, talvez o mais fascinante.
Este grupo é composto por seres de ambos os sexos.
Normalmente, este grupo, faz parte dos outros dois, ou seja, os elementos deste grupo de malucos estão dentro dos outros dois grupos.
Na maioria das vezes, o elemento deste grupo faz entender que quer ir cantar através de frases como “até eu canto melhor que ele”, “isto que ele fez é fácil”, “a mim é que não me apanham ali naquele palco”, etc. , até que, alguém dos outros grupos o inscreva para cantar, fazendo-lhe a secreta vontade.
Este grupo não tem preferência por qualquer tema musical, aceitando tudo.
A sua atuação reveste-se de um quase misticismo, pois enquanto canta, ele (ou ela) vai proferindo frases como: “agora é que vai ser bonito”, “quem é que me meteu nesta?” ou “Ai a minha vida...”.
A sua expressão varia entre o profissional sério e o olhar de falsa surpresa.
Ao final da musica, sai sorrindo, não sem antes proclamar algo como “Não me pegam nessa nunca mais”, desaparecendo com a sua escondida ânsia de protagonismo momentaneamente satisfeita. O ego a mil!

Depois de, traumaticamente observar estes indivíduos no seu habitat natural, voltei para o meu buteco.
Passou-me pela cabeça uma coisa bem interessante e que as autoridades deste país tem ignorado.
Perseguem os butecos de família, como o meu, instituições que verdadeiramente formam indivíduos e onde um cara pode beber um copo em paz e conversar com os amigos, contar seus “causos”, dar uma paqueradinha e quanto a esta praga não fazem nada. 
Esse tipo de atividade deveria ser enquadrada em crime hediondo, sem fiança!
Subi ao meu apartamento, que fica sobre o buteco, e ainda excitado pela noite deprimente, tomei meio frasco de Lorax para tentar dormir e bebi ainda três boas doses de Whisky...
Enquanto esperava que a mistura fizesse efeito liguei a TV, eis que, no SBT me aparece um programa de Karaoke ao vivo!
Ainda hoje não sei se foi um delírio ou não... deve ter sido delírio, não acredito que uma TV tivesse algo tão baixo na programação... mesmo sendo o SBT... bem,...não... não pode ser...deve ser delírio do Lorax.
Só sei de uma coisa com certeza, Karaoke aqui no buteco, só por cima do meu cadáver!!!!!

Adaptado de texto do http://forcanamaionese.blogspot.com/
Imagens do mesmo blog
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