Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Drummond erótico 6

Este ultimo poema, A moça mostrava a coxa, encerra a série de postagens sobre a fase erótica de Drummond
O Amor Natural revelou as poesias eróticas, quase pornográficas que Drummond manteve ocultas até a sua morte. Alguns poucos amigos seus talvez as conheciam.
Suas poesias obscenas ou eróticas são encontradas em qualquer um de seus livros, desde "Alguma Poesia" até "Farewell"
Este livro é apresentado despido de pudores poéticos e se inscreve dentro de uma tradição filosófica e poética do erotismo e da obscenidade. É o poeta gauche que foi nos apresentando novamente o mundo que via, com suas mudanças e transformações.
Drummond é, sobretudo, um poeta de seu tempo que, guiado por seu anjo torto, nos mostrou o mundo em suas constantes revoluções.
O poeta viu passar diante de seus olhos uma revolução sexual nos anos 70, com livros de Bataille e Rougemont, disparates da poesia marginal, e assim pode desmascarar seus recalques e verbalizar o que sentia.
Salienta-se ainda o trabalho de composição de palavras por justaposição e aglutinação que vão construir termos perfeitos para descrever as relações sexuais e a anatomia: lambilonga, lambilenta, licorina, lenta-lambente-lambilusamente, bundamel, bundacor, bundamor, boquilíngua, clitórida. E ainda as tradicionais repetições de palavras e de estruturas sintáticas.
As vaginas, pênis e clitóris que saíram de sua boca chocaram porque são explícitos, mas podemos observar que não são termos populares, vulgares ou chulos.
O poeta, ao escrever suas poesias eróticas não é baixo, pornográfico, no sentido pejorativo, pelo contrário, assume uma linguagem elevada para tratar de um tema tido como baixo. Sua obra poética, toda sua poesia é selada com chave de ouro: com o amor, mas mais que isso: com um amor isento de limites e recalques, um Amor natural 



A moça mostrava a coxa

A moça mostrava a coxa,

a moça mostrava a nádega,
só não mostrava aquilo
- concha, berilo, esmeralda -
que se entreabre, quatrifólio,
e encerrra o gozo mais lauto,
aquela zona hiperbórea,
misto de mel e de asfalto,
porta hermética nos gonzos
de zonzos sentidos presos,
ara sem sangue de ofícios,
a moça não me mostrava.
E torturando-me, e virgem
no desvairado recato
que sucedia de chofre
á visão dos seios claros,
qual pulcra rosa preta
como que se enovelava,
crespa, intata, inacessível,
abre-que-fecha-que-foge,
e a fêmea, rindo, negava
o que eu tanto lhe pedia,
o que devia ser dado
e mais que dado, comido.
Ai, que a moça me matava
tornando-me assim a vida
esperança consumida
no que, sombrio, faiscava.
Roçava-lhe a perna. Os dedos
descobriam-lhe segredos
lentos, curvos, animais,
porém o maximo arcano,
o todo esquivo, noturno,
a tríplice chave de urna,
essa a louca sonegava,
não me daria nem nada.
Antes nunca me acenasse.
Viver não tinha propósito,
andar perdera o sentido,
o tempo não desatava
nem vinha a morte render-me
ao luzir da estrela-dalva,
que nessa hora já primeira,
violento, subia o enjoo
de fera presa no Zôo.
Como lhe sabia a pele,
em seu côncavo e convexo,
em seu poro, em seu dourado
pêlo de ventre! mas sexo
era segredo de Estado.
Como a carne lhe sabia
a campo frio, orvalhado,
onde uma cobra desperta
vai traçando seu desenho
num frêmito, lado a lado!
Mas que perfume teria
a gruta invisa? que visgo,
que estreitura, que doçume,
que linha prístina, pura,
me chamava, me fugia?
Tudo a bela me ofertava,
e que eu beijasse ou mordesse,
fizesse sangue: fazia.
Mas seu púbis recusava.
Na noite acesa, no dia,
sua coxa se cerrava.
Na praia, na ventania,
quando mais eu insistia,
sua coxa se apertava.
Na mais erma hospedaria
fechada por dentro a aldrava,
sua coxa se selava,
se encerrava, se salvava,
e quem disse que eu podia
fazer dela minha escrava?
De tanto esperar, porfia
sem vislumbre de vitória,
já seu corpo se delia,
já se empana sua glória,
já sou diverso daquele
que por dentro se rasgava,
e não sei agora ao certo
se minha sede mais brava
era nela que pousava.
Outras fontes, outras fomes,
outros flancos: vasto mundo,
e o esquecimento no fundo.
Talvez que a moça hoje em dia...
Talvez. O certo é que nunca.
E se tanto se furtara
com tais fugas e arabescos
e tão surda teimosia,
por que hoje se abriria?
Por que viria ofertar-me
quando a noite já vai fria,
sua nívea rosa preta
nunca por mim visitada,
inacessível naveta?
Ou nem teria naveta...


http://www.memoriaviva.com.br/drummond


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