Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

sábado, 18 de agosto de 2012

Delicias da minha juventude VIII - Meu Uberaba bão!



O meu negocio agora era me enturmar com o pessoal da escola.
E isso até que foi fácil! Quando eu me abri para isso e colocando na cabeça que se eu estava aqui a minha vida era aqui, as coisas passaram naturalmente a acontecer.
Uberaba era uma cidade tradicional e naquela época não havia boates, lanchonetes ou outro lugar onde a moçada pudesse ir. Só haviam os botecos “copo sujo”, típicos das cidades interioranas, onde os salgados eram péssimos e as bebidas baratas.
Nossa Faculdade fora criada por um homem sensacional, Mario Palmério, aquele mesmo do Chapadão do Bugre, da Academia Brasileira de Letras, que havia a pouco tempo sido, inclusive, Embaixador do Brasil no Paraguai. 
Homem de vida cercada de historias, algumas fantasiosas, mas quase todas verdadeiras.
No decorrer dessas” ruminancias” irei relembrando algumas delas por aqui.
Ele era um homem a frente do seu tempo e eu participei de uma geração de estudantes que inaugurou o “Campus” que ele criara fora da cidade, na região do aeroporto.
Campus moderno, com laboratórios completos e aulas dadas em anfiteatros, construídos com acústica requintada, onde o professor falava em voz moderada e era escutado na ultima fila.
Eu nunca tinha visto nada igual, mesmo conhecendo todas as faculdades da Capital.
Os professores em sua maioria eram excelentes e vários deles importados da USP
Por essas e outras coisas, Uberaba era um contraste só. Cidade de criadores de gado, de tradições mineiras, fechados, valores estruturados, que traziam os filhos sob os olhos vigilantes, e os estudantes universitários, que somavam mais de 10% da população.
Não que os valores fossem diferentes, pois a maioria absoluta destes estudantes era de cidades, também do interior,  das regiões vizinhas (Triangulo Mineiro, Goiás, Mato Grosso e do Norte de São Paulo.). A grande diferença era a de que moravam em republicas, espalhadas pelo centro da cidade e bairros próximos, praticamente uma em cada quarteirão.
Nessas republicas se instalavam jovens da mesma idade, na casa dos 20 anos, sem pais ou mães, entregues a própria sorte. Era uma vida de extrema liberdade, onde cada republica (o nome já indica o sistema de gerenciamento) traçava suas próprias regras. Cada uma delas normalmente dava uma festa por mês, e para isso economizavam no dinheiro de manutenção da casa. Como vários eram filhos de fazendeiros, feijão e arroz nunca faltavam. Às vezes se passava a feijão e ovo durante uma semana pra se ter dinheiro da festa. Nesse “modus vivendi”, era festa todo dia. Escolhia-se aonde ir de acordo com as afinidades. Nesse ambiente fui me entrosando e me soltando.
Mas eu ainda achava pouco.
Eu sempre fui muito dinâmico e empreendedor, tipo bicho carpinteiro, e sentia falta do que fazer. Lembro-me que entrando o mês de junho, eu e outro colega de São Paulo resolvemos fazer uma festa junina. Era uma oportunidade de ganharmos um dinheirinho extra.
Vivíamos numa dureza de dar dó.
Naquela época quase todos fumavam e não tínhamos dinheiro nem para o cigarro.
Como, onde e quando faríamos isso?
A antiga faculdade, onde ficava a reitoria, era no centro da cidade e estava em reformas.
Tivemos a ideia de fazermos a festa no pátio e para isso fomos conversar com o Reitor, Mario Palmerio, para solicitar a licença e alguma ajuda para nosso intento.
Ele nos recebeu, solicito e bonachão, nos autorizando de imediato e ainda oferecendo o serviço do pessoal da reforma, que utilizando madeira da obra, confeccionou as barraquinhas de prendas e jogos, tão características dessas festas. Conseguíramos, numa  conversa bem engendrada e muita cara de pau, muito mais do que pretendíamos.
Fizemos um tablado de madeira e contratamos um grupo folclórico de “Catira” (É uma dança típica do interior do Brasil, principalmente na área de influência da cultura caipira, Mato Grosso, norte do Paraná, Minas Gerais, Goiás e interior de São Paulo) e uma dupla de violeiros. Eu nunca tinha visto essa dança e nem conhecia direito a musica caipira de raiz. Naquela época ainda não havia surgido o sertanejo com guitarras e muito menos o sertanejo universitário.
O sertanejo que eu conheci era aquele  das duplas caipiras de viola e acordeon.
Achei fantástico!
Tudo arranjado, chegou o dia! A festa foi um estrondoso sucesso!
Nos divertimos a valer. A bebida era muita, cachaça, quentão e cerveja, vendidas na barraquinha própria, assim como os salgados.
Tínhamos barracas de pescaria, argolas, tiro ao alvo com bolas de tênis, todas com seus prêmios,  e uma cadeia onde prendíamos os participantes, que compravam sua saída com alguns trocados.
No decorrer da festa, eu já com o teor alcoólico bastante alterado, me vi preso nessa cadeia, com uma garota da minha sala, com quem já vinha conversando há algum tempo.
Nessas conversas eu falava da minha paixão de Beagá e ela me contava da sua, da cidade de onde viera. Iniciávamos uma carinhosa amizade, onde trocávamos confidencias.
Presos os dois naquela cela, excitados pela animação da festa, cabeças meio enevoadas e carentes, trocamos espontaneamente um longo beijo e não nos desgrudamos mais naquela noite. 
Agora sim, eu definitivamente estava em Uberaba. 
E como Uberaba era bom!

(Continua no próximo capitulo)

Pra quem não conhece e quiser conhecer o que é Catira e a pura musica sertaneja de raiz, assista ao vídeo e veja que delicia que é:



Imagem: Praça Rui Barbosa - Uberaba - MG


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