Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

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sexta-feira, 27 de maio de 2011

Delicias da Minha Juventude! I - Ano 66


Guilherme, Ronaldo portuga e eu, formávamos um trio vocal da melhor qualidade.
Gui tinha 21 anos, estudante de Fisica, lambreteiro (alguém se lembra das Lambretas?) e era violonista de mão cheia. Poucas vezes escutei algum violão tocado como tocava o Gui. Conhecia musica a fundo, mas alem disso o seu ouvido era primoroso. Era só alguém solfejar algumas notas e podia soltar a voz, lá ia o Gui no acompanhamento.
Ronaldo portuga, pela ascendência portuguesa, com 18 anos, também tinha um ouvidaço. Afinadíssimo, fazia um solfete de primeira e era dele a segunda voz. Maravilhosa. Ele tinha facilidade para instrumentos como marimba, baixo, bateria.
Eu, na época o “Lingüiça”, que depois foi promovido a “Salsicha”, tinha 16 anos, 1,85 metros e pesava 60 quilos. Facil saber o motivo do apelido. Fazia a primeira voz. Voz grave, límpida e tinha um ouvido razoável. Era afinado. Não tocava nada. A não ser aquelas coisas que se tocava no banheiro.....  era a idade.
Cantavamos pelos bares de Beaga a troco da nossa despesa, isto é, freqüentávamos os bares, consumíamos de tudo, bebida , comida, cigarros, fazíamos o que gostávamos e em troca, a musica ao vivo chamava a freguesia.
Era no final dos anos 60 e nosso repertorio era composto de musicas dos autores da MPB que surgiam naquele tempo, Caetano, Chico, Gil, Paulinho da Viola, Edu Lobo e outros consagrados como Vinicius, Tom, Lupicinio, Cartola, Noel, alem de Moreira da Silva, Demônios da Garoa que não podiam faltar numa roda de boteco.
Essas noites para nos eram a gloria. As meninas nos rodeavam como moscas. Éramos assediados como verdadeiros artistas. Bons tempos aqueles. Como bons gourmets sabiamos apreciar o que tinhamos,  comida variada.....  e farta!
Vivíamos a noite, sempre bem acompanhados, nos divertíamos e não gastávamos um tostão, o que era muito bom, pois também não o tínhamos.
Por diversas vezes éramos contratados para fazermos serestas à janela de alguma garota objeto de desejo do contratante. Pagamento? Um litro de uísque, um jantar a la carte, ou as vezes somente a bebida da hora e uma carona para casa no fim de noite.
A seresta era institucionalizada em Beagá, as rodas de serestas e os seresteiros fazendo a ronda eram encontrados por toda a parte. As moças vinham à janela apreciar a cantoria.
Quase sempre ou invariavelmente éramos convidados a adentrar a casa da garota e nos serviam uma cerveja, um tira gosto, ou ate mesmo um café na madrugada, acompanhado de bolo ou de um bom e especial queijinho mineiro.
Lembro-me que em uma noite inspirada, fomos chamados para uma seresta na casa de uma menina, namorada recente de um amigo e debaixo da janela do segundo andar de um prédio, cantamos a “Modinha” de Sergio Bitencourt:
“Olha a rosa na janela,
sonha um sonho pequenino,
se eu pudesse ser menino,
eu roubava essa rosa
e ofertava todo prosa
à primeira namorada,
e nesse pouco quase nada
eu diria o meu amor.....”
Eu cantava o solo, e neste dia, com uma voz clara, límpida, interpretava magistralmente a canção. Todos em volta, enternecidos.
Na hora do refrão, cantado a três vozes, entoamos sonoramente:
“-Ai, amor eu vou morrer
Buscando o teu amor

Ai, amor eu vou morrer

Buscando o teu amor...”
Terminamos a canção e o silencio que se seguiu foi estrondoso, retumbante.
Escutávamos o vôo das mariposas ao redor das lâmpadas da rua.
Neste silencio quase sepulcral, o Gui entusiasmado com a nossa performance solta em alto e bom som:
- Se esta menina não fez xixi nas calças é porque ela tá com a priquita colada!

Não precisa dizer que nessa noite não fomos convidados a entrar!
E nem que, a partir daquele instante, o rapaz não tinha mais namorada, tinha ex!
Bons tempos aqueles....


***
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Continuem acompanhando a amostragem dos contos do Concurso Contos Vida. Esta valendo a pena. 
O meu conto - Namoradeira - já foi apresentado. 
Vá lá conferir! Comente!
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11 comentários:

  1. Bons temos o nosso de juventude. Uma das coisas que mais me marcam era a mania que pratico até hoje com entusiasmos é o de "chupar peitinhos" e devido ao desenvolvimento da mama de algumas, peitões.
    Oba!

    Abraços.

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  2. Alexandre,

    Só para aclarar os fatos, trago a lembrança política que tenho com relação ao final dos anos 60.
    Nessa época se iniciavam as manifestações contra o regime militar. Desde 67, o movimento estudantil tornou-se a principal, quase única, forma de oposição a este regime. Nos primeiros meses de 68, ocorreram várias manifestações que tinham sido reprimidas com violência. O movimento estudantil manifestava-se inicialmente, não apenas contra a ditadura, que era o ideário de cada estudante mais esclarecido, mas principalmente, contra a política educacional do governo, que revelava um direcionamento à privatização. A política de privatização tinha duas vias: era o estabelecimento do ensino pago (principalmente no nível superior) e outro, o direcionamento da formação educacional dos jovens para o atendimento das necessidades econômicas das empresas capitalistas (mão de obra especializada). A formação técnica. Essa apreensão correspondia a ingerência norte-americana exercida através de técnicos da USAID que atuavam junto ao MEC num acordo firmado pelo governo brasileiro, gerando uma série de outros acordos que deveriam orientar a política educacional brasileira. O novo e crescente pátio industrial brasileiro necessitava dessa mão de obra especializada. As manifestações estudantis foram os mais expressivos meios de denúncia e reação contra a subordinação brasileira aos objetivos e diretrizes do capitalismo norte-americano.
    Prisões arbitrarias eram as marcas da ação do governo com relação aos protestos dos estudantes, e essa repressão atingiu seu apogeu no final de março com a invasão do restaurante universitário "calabouço", onde havia uma manifestação direcionada contra o fechamento do restaurante universitário.
    Com a morte de um estudante nesta manifestação, os protestos políticos se tornaram mais veementes e a repressão também.
    No dia 26 de junho de 1968, cerca de cem mil manifestantes foram às ruas no Rio de Janeiro e realizaram o mais importante protesto contra a ditadura até então. Após 40 anos, relembro de uma forma mais clara e sem radicalismo que todos os estudantes brasileiros marcharam, em espírito, com os estudantes cariocas e a Passeata dos 100 Mil ficou na história como uma referência marcante do poder de mobilização dos estudantes e da força que o pacifismo pode ter quando uma frente popular pode ser bem organizada e bem representada. (continua)

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  3. Continuação -

    Naquele momento o Movimento Estudantil foi o mais legítimo porta-voz da sociedade brasileira contra os rumos da Ditadura. A manifestação, iniciada a partir de um ato político no Rio, pretendia cobrar uma postura do governo frente aos problemas estudantis e, ao mesmo tempo, refletia o descontentamento crescente com o governo; dela participaram também intelectuais, artistas, padres e grande número de mães.
    Por um lado, ele representava a radicalização de um conflito motivado pelas contradições contidas nas frustrações da classe média emergente e por outro lado representava as tensões crescentes que essa mesma classe média – que em grande parte apoiou o golpe militar – e a classe operária emergente. Essas relações que passam a ter com o poder, foram cada vez mais agravadas pelo clima de repressão as suas reivindicações e pelo apoio ao governo dos segmentos mais conservadores das classes dominantes. (lembre-se da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, apoiando o golpe militar em 64)
    Dentro desse amplo questionamento estudantil estava também a estratégia do capitalismo brasileiro emergente, sempre empenhado em manter uma política educacional dependente, promovendo uma educação acadêmica alienante ao limitar a capacidade crítica do indivíduo para questionar o mundo em suas contradições sócio-políticas e ideológicas e, conseqüentemente, formar profissionais que se amoldem culturalmente ao sistema. Um dos grandes pecados da Ditadura de 64 foi a estratégia de acabar com as lideranças em nosso pais. Até hoje nos ressentimos disso, com a falta de lideranças serias e comprometidas com o nosso futuro. Isso eles conseguiram. Esta foi a maior seqüela que a ditadura nos deixou.
    Durante todo o ano de 68 as manifestações estudantis ocorreram, assim como intensificou-se a repressão, até a decretação do AI-5, em 13 de dezembro, que legalizou a repressão, e em fevereiro do ano seguinte foi baixado um decreto-lei que proibiu definitivamente toda e qualquer manifestação política dentro das universidades do país. Os militares tinham finalmente desarticulado o movimento estudantil. Ai começou realmente a era dos “anos de chumbo” que vigoraria até por volta de 1973.
    Até 68 nós, a grande maioria dos estudantes, estávamos empenhados em política estudantil em defesa da qualidade do ensino, pois a nossa diretriz de ensino era européia (francesa) ligadas diretamente ao humanismo e que estava sendo trocada por um ensino técnico alienante produzido pelo acordo MEC/USAID. A ditadura ainda não era o alvo principal, o que passou a ser com o recrudescimento das ações em 68.

    Um grande abraço

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  4. Lufe, lembranças ótimas, como morava em SP não havia serenatas, mas frequentei muito buteco que os amigos , hoje doutores, arquitetos, professores e etc, que cantavam, engraçado é que voltar a pé de madrugada com 16 anos não era o fim do mundo, os meninos nos pegavam em casa e acompanhavam até o portão após a cantoria.
    Somos do século passado e até do milênio passado, mas fazia uns 30 anos no mínimo que não ouvia alguém falar de MEC/USAID... por que
    não faz um post? ah! você já fez na resposta, rs
    bjs
    Jussara
    rezando que o blogger deixe eu fazer o comentario

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  5. Adorei as lembranças, mas não posso deixar de referir que és a primeira linguiça promovida à salsicha que conheço!
    Muitos bjs querido amigo

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  6. Jussara,

    Você bem lembrou que naqueles anos a gente voltava a pé pelas madrugadas, sem que nenhum perigo nos assolasse.
    E no meu caso, Beagá ainda era uma cidade com uma população em torno de 600 mil habitantes e a vida noturna começava a florescer. As serestas são da nossa cultura e foram imortalizadas pelo nosso JK em sua querida Diamantina. O “presidente bossa nova” deixou saudades em nossa zona boemia onde era conhecido como um tremendo “pé de valsa”.
    Você também lembrou um fato bem interessante de como a nossa historia é esquecida em tão pouco tempo.
    Os estudantes à época, tinham seus DCEs ativos, mas eram ativos culturalmente e não com políticas partidárias como hoje.
    Os estudantes de SP eram bastante ativos e no inicio dos anos sessenta, antes da revolução, utilizavam o teatro como forma de denuncias sociais e pregavam que através do esclarecimento das massas o desenvolvimento social seria conseqüência.
    Seus sonhos de mudar o mundo começaram, quando em 1961 a UNE fundou o Centro Popular de Cultura (CPC) cujo propósito era despertar pacificamente, com a arte, a consciência política do povo. Sob a direção do dramaturgo Oduvaldo Viana Filho foram encenadas dezenas de peças, publicados livros, produzidos filmes e discos e promovidos shows, cursos e debates. Nesta epopeia cultural sem precedentes da nossa historia se engajaram, ao lado de estudantes, artistas e intelectuais, figuras expoentes do teatro brasileiro como Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. Foram todos perseguidos após 64. O convenio MEC/USAID ia contra toda essa filosofia. Trocar cultura européia por americana? Coisa de malucos que queriam um povo não pensante, sem lideranças, engajados no sistema. Quem foi estudante naquela epoca se lembra que ninguém queria ficar à margem do “engajamento” político, e era uma ofensa terrível ser chamado de “reacionário”, ou seja, ser de direita. Na verdade todo aquele saudável “romantismo” ficou na saudade. Quem não tinha na parede do seu quarto uma gravura do Che? A revolução cubana era muito recente e os militantes da Sierra Maestra eram nossos ídolos.
    Mas tudo era conduzido de uma forma romântica, até mesmo pacifista, pois não podemos nos esquecer do movimento hippie, do poder do amor da flor, que eclodia pelo mundo todo ao mesmo tempo, e não era diferente por aqui. Éramos solidários aos desertores e aos insurgentes jovens americanos que se recusavam a lutar no Vietnam.
    O AI5 acabou com o romantismo dos anos dourados.
    São muitas as lembranças e quando a gente tem um insight muita coisa é recordada.

    Um grande beijo

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  7. eita menino, linda história, como sou de 66, anos 60, só de ouvir falar hahaha e ler, ler muito pq considero uma das épocas mais importantes da nossa história, mas apesar disso, adolescência nos anos 80, não tenho o q reclamar....rs O importante é a gente aproveitar todas as fases e ao olhar p passado ter a certeza q vivemos intensamente.

    abraços

    ps: ri muito com a "linguiça promovida a salsicha" hahaha

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  8. Você deve ter uma boa voz!

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  9. Deve ter sido uma época maravilhosa...
    Acho 60 poético!
    Lá tudo parece ter mais importância...
    Adorei o dito do seu amigo!
    Devia ser muito bom um ter uma cara espiriutoso (maluco) desses do lado, até as amizades em 60 deviam ser melhores.
    Sem falar na farra, boa boemia regada a MPB, Bossa Nova, butecos charmosos e despretensiosos...
    Nem sei se teria sobrevivido a isso, rsrsrs!
    Bj!

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  10. Rapha,

    Realmente foi uma epoca bem legal onde tinhamos a formação da epoca anterior, mas estavamos descobrindo um novo mundo de maior liberdade individual. Foi a maior revolução social que eu conheço, num nivel mundial. Todos os jovens dessa epoca, conscientes ou não, participaram dela.
    O mundo mudou a partir dos anos 60.

    bjo

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  11. Thiago,

    Obrigado pelo elogio.
    Irei lá conferir certamente.

    Um abraço

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