Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Delícias da minha juventude VII - Ano 73 - Uberaba



Chegando em Uberaba me deparei com uma vida totalmente nova.
De cara o trote dos calouros (lá chamados de Bicho)
Eu de cabelos grandes, batendo nos ombros, fui em direção à Faculdade já para o inicio do ano letivo. Chegando a porta, vi que estava ocorrendo o trote e parei meio afastado para ver.
Um veterano, me observando perguntou se eu era bicho. Confirmei.
Ele então me disse: -Se eu fosse você cortaria esse cabelo no barbeiro antes de se apresentar, senão vão fazer muita sacanagem. Legal o cara!
Fui imediatamente procurar um barbeiro onde raspei a cabeça com maquina zero.
Voltando lá, retiraram toda minha roupa, me pintaram com zarcão e me deram um saco de aniagem para vestir. Fiquei lindão!
As meninas tinham o seus cabelos descoloridos e vestiram a mesma vestimenta.
Nos levaram em desfile pela avenida principal da cidade, puxando carroças cheias de veteranos. 
Foi um espetáculo! A bebida corria solta.
Uberaba era uma cidade relativamente grande, cento e poucos mil habitantes, mas com uma população de estudantes que superava os dez por cento em relação ao numero de habitantes.
Era uma republica em cada quarteirão. Boas e ruins.
Fui morar com uma tia que tinha um pensionato de mulheres!
Esta tia, havia ficado viúva com seis anos de casada e com 5 filhos! Sem alternativas onde morava, mudou-se para Uberaba, uma cidade universitária, e montou um pensionato.
Com isso, ela criaria seus filhos em meio a estudantes que buscavam algo na vida, daria melhores condições de moradia e alimentação. A grana dava pra isso. Inteligente, tinha visão de futuro!
O que eu pagava a ela daria tranquilamente para pagar qualquer republica da cidade, mas ali, eu teria uma vida familiar e a ajudaria com a garotada, pois o mais velho tinha 15 anos.
Eu contribuía igualmente às pensionistas, mas fui morar em um quartinho no fundo do quintal junto aos dois filhos homens que ela tinha. Dois garotos. A casa era do mulherio. Casa grande, construção boa, dois andares.  O quarto tinha somente uma janela, pequena,  que dava para o restante do quintal, colado a um barranco cortado, dando quase a altura dessa janela. Quando a grama estava alta, dava para vê-la deitado na minha cama. A parede minava agua proveniente da terra. O chão era de cimento e o banheiro era separado, do lado de fora, próximo a casa.
Embora fosse uma cidade de clima quente, as noites eram geladas.
Eu, garotão zona sul da capital, acostumado a mordomias, mudei de champanhe francês para água!
Geralmente aos fins de semana as pensionistas iam para suas cidades natais e a casa era só nossa. Minha tia fazia salgados para fora e não sei quantas noites passamos acordados fazendo coxinhas, empadinhas  e cigarretes para atender as encomendas. Ela se virava, não custava nada dar uma mão.
No inicio, eu não conseguia me desligar de Beagá. Tinha a namorada e além disso eu tinha que ganhar uma graninha. Minha mãe pagava minha faculdade com quase todo o valor de seu salario. Meu pai pagava o pensionato e eu que me virasse para arrumar grana para os meus gastos pessoais. Eu havia brigado com meu pai alguns anos antes, quando lhe pedi um dinheiro para sair e ele disse que eu estava gastando demais. Eu mandei ele enfiar o dinheiro dele naquele lugar, bem enroladinho! Depois dessa, com que cara eu ia pedir dinheiro?
Portanto quando passei no vestibular eu calcei a cara e disse a ele: - Um lugar para morar você paga pra mim? Ele respondeu: - Casa e comida eu pago! E foi o que ele fez!
Para arrumar grana, eu pintava e enviava meus quadros para Beagá e a minha namorada os vendia na Feira da Praça da Liberdade, reduto de artistas e artesãos aos domingos pela manhã. Nos fins de semana que eu arrumava uma carona eu me mandava para Beagá para vê-la. Como eu disse no capitulo passado, eu era apaixonadinho. Cheio das bobices!
Com uns três meses nessa lida, eu notei que eu não estava nem em Beagá e nem em Uberaba. 
Os nativos não nos aceitavam. Eles nos queriam longe das filhas deles, pois sabiam que estavamos de passagem. Em alguns anos formariamos e largariamos suas filhas a ver navios. 
Eram de familias mineiras tradicionais. Minhas filhas não!
Uberaba era e ainda é, uma cidade de ruralistas criadores de gado. Sede da ABCZ, Associação Brasileira de Criadores de Zebu. A economia é ainda fundamentada na produção rural. 
Cidade de coroneis. Hoje com menos poderio, mas ainda existem. 
Nessa minha permanencia por lá, eles ainda imperavam. E a mentalidade tambem!
Os estudantes de fora (a grande maioria ) viviam praticamente num gueto. 
Só haviam dois estudantes de Beagá por lá, eu e mais um! O triangulo mineiro ficou por anos e anos isolado da capital e ligado mais a Goias e ao norte de São Paulo. Se precisavam de alguma coisa que não encontrassem na cidade, iam a SP. Nunca em Beagá! O triangulo fora ligado a Beaga havia muito pouco tempo, pela BR 262, aberta por influencia do então governador Rondon Pacheco, oriundo de Uberlandia. Até nisso eu estava isolado!
Eu estava sem lugar! 
Nessa época, eu tive um estreitamento no esôfago e não estava conseguindo engolir nem agua. 
Eu tinha feito amizade com um cara que estudava medicina, já nos últimos anos, e fui procura-lo.
Ele me disse: -Isso é de fundo emocional!
Duvidei na hora: -  Que emocional que nada! Eu estou bem de cabeça!
Olha o preconceito e a ignorância! Mas também, trinta e seis anos atrás, quem era capaz de assumir problemas emocionais? Eu não era!
Ele então me fez perguntinhas simples:
- Você mora bem? (Ele sabia onde eu dormia)
- Onde esta sua namorada?
- Você esta bem de grana?
- Você esta bem adaptado aqui?
Na hora eu vi que ele estava coberto de razão. Minha vida estava mesmo uma merda!
Ele me arrumou um ansiolítico e logo logo sarei.
Mas eu tinha que mudar essa vida! Ou eu me adapto ou vou-me embora daqui!
Mudei!
Mal sabia eu, que essa mudança me levaria a alguns dos melhores anos de minha vida

(continua no próximo capítulo)

Imagem: Entrada do Parque de Exposições de Uberaba, Minas Gerais.


6 comentários:

  1. Aaaah, fiquei com vontade de saber o restante da história. Ri muito imaginando a cena de você mandando seu pai enfiar o dinheiro bem enroladinho, kkkkkkk. Que é isso? Se eu falasse isso pro meu pai levaria uma cintada nos cornos, hahaha.
    Tem razão, há alguns anos atrás as doenças com fundo emocional erma consideradas bobagens, mas eu acho que tem tudo a ver. A mente e os sentimentos tem influência grande sobre o físico. Um abraço!

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    1. Oi Bia,

      Eu mantendo um contato mais direto, nestes dias agora, com meus colegas de faculdade, as gavetinhas da memoria se abrem e os fatos clareiam. Dificil é concatenar os fatos,mas eles vão aparecendo aos borbotões.
      Pode deixar que essas "ruminancias" vão continuar...rs

      bjo procê

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  2. Me vi assistindo um filme, ansiosa para ver o resto... Lufe, essas bobices na hora certa é uma delícia!

    Para euzinha estudar bolei em vários buracos, inclusive casa de tia também...

    Tenha uma excelente quarta-feira!

    Beijossssss

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    1. Oi Bia,

      Estas ruminâncias trazem uma saudade gostosa daquela época, né?
      Não interessam os apertos. Eramos felizes assim, pois estavamos em busca de crescimento.
      Quanto as bobices, elas continuam, vão e vem.....rsrs

      bjo procê

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  3. Gostando das ruminâncias.
    Acho que está adaptação em lugares novos, principalmente no começo da vida é difícil. Bagé é uma cidade universitária, os alunos novos ficam perdidos e deslocados. Moram mal, comem mal, vêm de cidades pequenas, sentem saudades e estão isolados. Nas duas primeiras semanas de aula, o hotel ficou cheio deles, procurando onde ficar, conhecendo os colegas, nós eramos frequentemente abordados para saberem se eramos alunos ou professores, rs ... dava pena.
    Agora fico a espera do próximo capítulo.
    bjs
    Jussara

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    1. Oi Jussara,

      No meu caso ainda era pior pois eu saira da capital para uma cidade interiorana e conservadora, em uma epoca de grandes mudanças no aspecto de liberdade.Todas elas!
      Por um lado foi muito bom, pois eu tive que cortar o meu cordão umbelical. Por outro, os apertos me fizeram crescer e me tornar independente sob todos os aspectos.
      Eu tive que aprender a me virar, sem nenhum suporte por tras, e isso foi muito bom. Serviu tambem para botar em cheque os meus valores e eles se mostraram solidos.

      bjo procê e obrigado pela homenagem. Eu adorei.

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