Tela do artista plástico moçambicano Antero Machado.

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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Como Brasília perdeu uma prostituta !!!

A educadora Dagmar Garroux preparou uma de suas alunas para ser prostituta. 
Mas não qualquer prostituta - seria treinada para circular pelos bastidores de Brasília. 
Além de etiqueta, aprenderia a falar bem português e se viraria no inglês ou espanhol. 
Com aulas de artes, história e atualidades, ela conseguiria manter uma conversa em recepções. 
“O treino funcionou”, orgulha-se Dagmar. Funcionou tão bem que Brasília perdeu uma prostituta.
A menina, estimulada com a chance de ser prostituta em Brasília, morava na favela do Parque Santo Antônio, localizada no chamado “triângulo da morte”, na zona sul da cidade de São Paulo. 
No “triângulo” existe o cemitério São Luiz, que, conta-se, é o lugar onde estariam enterrados mais adolescentes por metro quadrado no mundo.
Dagmar criou, ali, um centro educacional batizado de Casa do Zezinho - o nome é inspirado na poesia “E agora, José?”, de Carlos Drummond de Andrade. 
Uma das freqüentadoras da casa era a menina, que começou a vender o corpo, na fronteira da adolescência, agenciada por um rapaz mais velho da escola pública em que estudava. 
Dividiam pela metade o valor de cada programa (R$ 10).
A garota não gostou da intromissão da educadora. “Não se mete, não.
- Você nunca pensou em se vender para ganhar dinheiro?”, perguntou, agressiva. 

Ela era conhecida pela violência, metia-se em brigas. Quase sempre andava com uma faca.
Dagmar suspeitou de que corria o risco de perder a aluna, desfeito o já frágil laço afetivo. Decidiu entrar no jogo. Disse que nunca quis vender o corpo. Mas, se quisesse, não iria aceitar mixaria. “Eu iria cobrar no mínimo R$ 1.000. Isso no começo, depois aumentaria o preço.”
A aluna arregalou os olhos e ouviu a improvável proposta: “Por que você não se prepara para ser puta em Brasília? Você ganha dinheiro e se aposenta”. Com aquele corpo e a bagagem intelectual, acrescentou, certamente iria surgir um marido rico.
No dia seguinte, a garota voltou, animada com a proposta. “Topo”, disse. Dagmar ponderou que ela deveria, então, se preparar. 
Para começo de conversa, deveria se cuidar para que aumentasse a disputa dos clientes.
Precisaria, assim, parar imediatamente de estragar seu corpo com os homens da favela. 
“- Você quer chegar a Brasília com a mercadoria velha?” Dagmar convenceu-a de que, além do corpo atraente, precisaria mostrar cultura e saber falar. 
Um tanto a contragosto, mas de olho nas recompensas futuras, aceitou as aulas.
Com as aulas, vieram reflexões sobre autonomia e responsabilidade; a auto-estima era trabalhada em projetos de arte e comunicação. Certo dia, ela fez um comentário sobre os dentes de Dagmar. “Parece que você tem uma boca de cavalo.” 
E brincou: “Se eu fosse dentista, eu consertaria a sua boca”.
O apoio explicou por que, embora sem intenção, a menina apresentasse melhor desempenho escolar. A trajetória teve momentos de crise: como já não faturava com a prostituição, a garota passou tambem a vender drogas. 
Dagmar voltou a argumentar que, se fosse mesmo vender drogas, deveria se tornar chefe e, aí, precisaria continuar os estudos para entender contabilidade. 
O inglês seria útil para transações internacionais.
Como era inteligente, a menina prosperava cada vez mais rapidamente na escola. 
À medida que ficava mais velha, prestava mais atenção no que acontecia em sua comunidade com quem se envolvia com as drogas e a prostituição - bem ao seu lado estava o pedagógico cemitério São Luiz. Ela chegou a concluir o ensino médio e suspeitou que talvez pudesse prosseguir.
Por motivos óbvios, não posso revelar o nome da aluna: “Ainda sinto muita vergonha”, justifica. 
Fez um cursinho pré-vestibular gratuito e entrou na USP. 
Formou-se em odontologia - e agora vive consertando bocas.
PS: A ex-futura-prostituta de Brasília é um dos casos que passaram pela Casa do Zezinho, uma experiência relatada agora pelo educador Celso Antunes no livro “A Pedagogia do Cuidado”, a ser lançado neste mês.
Ele detalha o que existe de teorias pedagógicas por trás dos exemplos.
Se os gestores municipais agora eleitos quiserem fazer cidades melhores, terão de aprender as magias que podem ser feitas quando existirem bons educadores, mesmo num “triângulo da morte”.
É mais uma ilustração do que sempre digo: educar é ensinar o encanto da possibilidade. 
Um dos seus projetos é transformar aquele simbólico cemitério São Luiz, com o recorde de covas de adolescentes, numa galeria de arte, com os muros externos pintados - as obras, claro, serão feitas por adolescentes. 
Por esse tipo de experiência, Dagmar vai dar aula, na próxima semana, num curso de gestão da Fundação Vanzolini, da Poli.

De Gilberto Dimenstein em 18/11/08
http://catracalivre.folha.uol.com.br/2008/11/como-brasilia-perdeu-uma-prostituta/

Pedagogia do cuidado - Um modelo de educação social  - Autor(es):   Celso Antunes, Dagmar Garroux  - Editora:  Vozes   

Este livro é composto de três partes. A primeira é sobre o espaço físico em que a Casa do Zezinho floresceu e a árdua realidade de uma favela. Representa diagnóstico realista de um mundo onde se exploram crianças até os limites de sua resistência e onde a vida vale pouco menos que quase nada. A segunda parte, apresentada como pequenas crônicas, ensaios ou reportagens, descrevem mais de 40 casos verídicos envolvendo a educação e sua intimidade com as drogas, a prostituição infantil, o estupro e a morte. A terceira, e última parte, destaca as linhas pedagógicas que estruturam e a pedagogia do cuidado que envolve as múltiplas ações desenvolvidas na Casa do Zezinho. Tem intenções de relato, mas também de proposta, sugerindo meios e caminhos para que iniciativas iguais se desenvolvam em toda parte, inspirem movimentos análogos onde quer que existam vontade de educação e esperança no amanhã.
http://www.livrariaresposta.com.br




16 comentários:

  1. Bom dia Lufe!

    Gosto da forma do Celso Antunes fala/escreve sobre a educação, outro também é o economista/educador Cláudio Castro.

    Gostaria de ver um artigo sobre um ex-político corrupto... Sei, tá difícil rsrsrsrsrs.

    Beijossssssssssss

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  2. É...o mundo ainda tem jeito!

    O bom caminho da Educação é aquele que possibilita que as pessoas desenvolvam seus recursos e descubram seus potenciais.

    Bela iniciativa, né, moço?

    Um beijo grande.

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  3. Bia,

    Bia,

    O que eu acho bacana é a forma heterodoxa da abordagem.
    Isso é um dom.
    Pessoas abnegadas, altruístas e comprometidas como essa (Dagmar) é que fazem a diferença. Tem que ter muito amor pra dar.

    Quanto aos políticos, não podem nem se aproximar de um projeto deste nível, pois nada funciona onde metem a mão.
    O ser humano, com apoio e suporte, dá pra recuperar. Politico, em sua maioria, não esta nessa categoria.

    bjo

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  4. Luna,

    Sorte da instituição que tem pessoas com as qualidades da Dagmar.
    Elas são raras e muito mal pagas.
    Inclusive, se estas pessoas pensarem em remuneração elas nem agiriam.
    O que as move é o ideal e a satisfação da inserção de indivíduos, como essa “ex-prostituta”, tirando-as da marginalidade.
    Eu também fico feliz com iniciativas desse quilate, elas nos fazem acreditar no ser humano.

    bjão

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  5. Marailha de projeto (Casa do Zezinho) e concordo com você a maioria que trabalha nesse tipo de projeto não visa dinheiro, em geral, visam uma satisfação pessoal que não tem preço! Me interessei pelo livro.
    bjs
    Jussara

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  6. Adorei Lufe. Muito ,muito legal. Estou compartilhando com meus colegas de trabalho.

    Ah, tem resposta ao seu comentário lá no Absinto. Vc vai rir do que aconteceu comigo rs.

    Beijo grande,

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  7. Jussara,

    Até que emfim consegui indicar um livro pra você.....rsrsrs
    Fiquei envaidecido......

    bjo

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  8. Malu,

    Este é mesmo um exemplo maravilhoso para quem lida com a educação e a inserção.

    Fui lá conferir....rsrsrs

    bjo

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  9. Eu gosto do Gilberto Dimenstein e Celso Antunes´é referência sempre! Adoro ele.

    A casa do Zezinho vem provar o que já sabemos e que ainda o governo reluta em por em prática, que a educação é o único meio de sermos uma potÊncia e sair do estado de miséria humana que se tem em muitos lugares.

    Porém povo "sabido" não é facilmente enrolado pra votar...

    Bjs Lufe

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  10. Ju,

    No meio de toda essa incomPTência, existem projetos como este que nos dão esperanças.
    E essas pessoas estão dando o exemplo e se tornando multiplicadores deste fazer.
    No minimo, cabe a nos divulga-los, pois os exemplos que nos vem do Estado são catastroficos para quem pensa em ter um povo evoluido.

    bjo

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  11. Muito legal o post, pra quem não conhece, interessante ler essa história da professora Dagmar. Faz a gente acreditar que as coisas podem se transformar, basta boa vontade de alguns, que consigam expandir suas visões e acabem abrangendo o maior número de pessoas... Este livro do Caleso Antunes deve ser muito proveitoso. Gostei da dica. Beijos pra ti!

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  12. Interessante projeto e inteligente proposta de persuasão. Acho que funcionaria até com pessoas teimosas...
    Um grande bj querido amigo.

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  13. Nossa, quero acompanhar mesmo..
    Obrigada pela visita :)

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  14. Estou aqui pensando o que dizer...
    Mas,penso que tudo está dito.
    E, de tudo o que foi dito, acrescento:
    Ninguém, nesta terra abençoada por Deus, sente mais na pele a satisfação do dever cumprido que um grande educador. Espero chegar lá!
    Bom fim de semana

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  15. A educação acaba com a miséria, mas a miséria alimenta os políticos corruptos.... Está ai o porquê de não termos qualidade e abundancia na educação. Ninguém quer perder votos.
    Fica tão fácil quando se mantém o povo pobre e carente.... Ele é subjugado com um punhado de melaço e tudo fica bem.
    Fico anestesiada quando escuto falarem para atirar em toda essa turma porque não assimilaram a sociedade,Daí vem uma empresa grande e estabelece na cidade uma industria e com a necessidade de mão de obra especializada,recruta pela periferia da mesma cidade,todos aqueles jovens excluídos da classe média,que perambulam como trombadinhas,e mediante um pagamento mensal,os colocam para estudar e aprender a profissão.A cidade ficou praticamente limpa,os pequenos roubos que eram diários diminuíram verticalmente e o sossego voltou....Só faltava alguém se preocupar e dar a eles o que fazer.......que post lindo......
    Abraços Lufe

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